Bem- Vindo

Bem- Vindo
Queria tanto ser poeta, falar do mundo, do amor... Porque não da dor? Do sofrimento... Da injustiça então... Enfim, falar do meu sentimento

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A vizinha


Finalmente chego a casa,

Faminto e cansado.

O trabalho havia sido extenuante nesse dia

Por muito que o corpo pedinchasse, não possuía tempo para descansar, havia o jantar para fazer, para aprontar.

Pensei numa coisa simples, afinal a fome é o melhor tempero

Bife grelhado soou-me bem e para que não se sentisse só, fi-lo acompanhar de camarões descascados e cogumelos, num ligeiro molho de natas.

Descobri no congelador esparregado e decidi por ele, para uma “higiene alimentar” sentenciei.

Terminado e, de bom aspeto, atirei-me a ele numa degustação sôfrega.

Terminei o jantar, e, francamente mais agasalhado liguei a máquina do café. Tirei um café e fui para a sala, agora sim, sentei-me no sofá a descansar.

Olhei a correspondência. Nada de anormal, faturas para pagar e publicidade.

Liguei a televisão

“ A casa está tão fria”. Cogitei num arrepio! A humidade entrava pelas frinchas das portas e janelas, dando um cariz lúgubre, duma casa mortuária

Liguei o aquecedor a óleo, mas nada me aquecia, levantei-me, fui buscar a manta azul de riscas brancas, que tanto gosto nos dias frios. Mas o desconforto persistia.

“ Vou fazer um chá para me aquecer”. Pensei! Dirigi-me á cozinha, fiz um chá de erva príncipe com um raminho de hortelã. Enquanto o chá afinava, fechei as persianas da porta da cozinha. De caneca cheia, aromática e a fumegar, voltei á sala, ao meu sofá que me reclamava. Tomei o chá em pequenos sorvos, a apreciar o gosto agradável da hortelã. “ Mas que estranho”. Disse para mim “ que se passa comigo hoje? Que frio é este que se me entranha nos ossos e não me deixa aquecer? Estarei doente”? A casa costumava ser um refúgio tão agradável, o meu lugar de paz, a proteção das agitações da natureza e humanas, mas hoje o frio persistia, permanecia.

Lancei a mão ao comando da televisão, na tentativa de desviar o sentido do frio e fiz zapping sem muito interesse nos programas, achava-os tão deprimentes. “ Ou serei eu que estou deprimido”? – Considerei! Não sabia, mas os programas só me aborreciam.

O dia prometia morrer atípico, existia algo que me incomodava, não me sentia bem no meu local elegido e resolvi o que seria impensável.

Ergui-me, vesti um casaco e saí. Procurei na rua o calor afastado e ausente na casa.

A noite havia caído e estava escura.

Aconcheguei o casaco, coloquei as mãos nos bolsos e principiei a caminhar pela rua da Liberdade. Deixei escorregar um sorriso. “ Que ironia, rua da Liberdade, mas sinto-me prisioneiro do frio”. Na luz ténue que os parcos candeeiros imitiam, via-se uma fina névoa de humidade que se fazia sentir. Um pouco mais adiante, uma luz mais calorosa, convidativa, do café da Dona Francisca rompia a noite, iluminando com mais entusiasmo toda aquela parte da artéria. O café estava habitado apenas por dois clientes. “ Onde estarão as pessoas”? Examinei! Encolhi os ombros e segui em frente sem parar, afinal também não me apetecia falar com ninguém.

Mais á frente encontrei o jardim Cesário Verde, que abrangia todo o quarteirão na transversal e que me levava de volta a casa. Resolvi por ele, para arejar os pulmões. A relva estava orvalhada do rocio que caía, o que oferecia um aroma agradável da terra molhada…

“Boa noite”! Cumprimentaste. Mas ia absorvido, extasiado, pelo que considerava ser um outro mundo, um mundo aparte, afastado do betão, da carroçaria, dos carros e sua poluição, não ouvi e continuei. Senti-me a sentir-me bem, pela primeira vez desde que chegara a casa. Esbocei um leve sorriso, “ que aroma agradável”. Dizia em solilóquio! “Aqui rompe sempre uma fragrância adorável, uma mistura a terra e flores”…

 Mas tu insististe Interrompendo o meu monólogo “Boa noite, já não se fala às pessoas”?

Mesmo á meia-luz, vi-te luminosa… gabardina cor creme, toda abotoada, lenço azul ao pescoço e umas botas quase até aos joelhos, seguravas o teu Boris pela trela. “ Não me está a conhecer”? Perguntaste dando uns passos acercando-te um pouco mais.

Claro que te conhecia, eras a Sandra, do prédio em frente, tantas vezes te vi passar na rua, entrar e sair de casa. No café da Dona Francisca, a tomar um café, o pequeno-almoço ou lanche. Cabelos pretos, brilhantes, longos, ligeiramente ondulados, olhos rasgados de mel, nariz levemente arrebitado, boca sensual, lábios carnudos, um queixo bem decidido numa pele luzidia, morena, tão apetecível. Claro que te conhecia! Tantas vezes possuí desejos de ti. As ficções que havia tido contigo, no sofá na sala, á noite ao deitar. Como havia imaginado esse teu corpo curvilíneo, escultural na minha cama. Mas as nossas conversas nunca tinham passado de bom dia, boa tarde ou boa noite. E agora, finalmente, havias quebrado o silêncio, aproximaste-te de voz macia, num cumprimento á muito apetecido.

Ficámos um pouco a conversar. Falei-te do frio que sentia em casa. Achaste graça quando disse que tinha vindo amornar na rua gélida. “ Está muito poético.” Disseste sorrindo e adicionaste. “ A solidão é fria”. A noite álgida esfumou-se, evaporou-se, fiquei sem frio, a tua voz era quente, apaixonada e apaixonante.

Mas tu, tu lembraste-te que o frio piorava e timidamente convidaste-me para ir a tua casa tomar algo quente. “ Não leva a mal pois não”? Perguntaste ruborizada, estavas indecisa pela hora, eram vinte e duas horas e trinta minutos. Sorri do teu embaraço, mas uma felicidade enorme, sem limite da tua iniciativa.

O hall de entrada do prédio era amplo, tecto falso em madeira, com projetores embutidos. Á direita um vaso de porcelana fina, suportava uma palmeira fresca, exuberante que chegava quase ao tecto. O elevador levou-nos ao segundo andar. Entramos em casa. Na entrada, logo em frente, existia uma consola wengué, com uma escultura em mármore de sessenta centímetros. Réplica da “Banhista” de Etienne-Maurice Falconet. Uma tela abstrata em motivo preto e vermelho combinava na parede por cima da consola.

Indicaste uma porta á esquerda que dava para a sala. A sala estava quente e ouvia-se o crepitar do lume que ardia brandamente na lareira. “ Sente-se”, convidaste. Despiste a gabardina. Uns seios redondos, eretos, pareciam querer romper a camisola de lã branca. Perguntaste o que desejava tomar. Optei por um Baileys sem gelo, acompanhaste com o mesmo. Foste ao home cinema e colocaste um CD de Adele. Sentaste-te no sofá no instante em que a sala era conquistada por uma música suave, agradável. "Someone like you". A saia subiu bondosamente acima dos joelhos, revelando umas pernas torneadas, tez hidratada, luminosa.

Lembro-me de sentir um baque, um rubor subiu-me às faces com a aparição das tuas pernas esguias, elegantes, aprimoradas. A boca secou-se-me. Senti desejo de pousar a mão no teu joelho de pele suave, subir nas pernas esbeltas, aprumadas, num afago contido, numa carícia delicada. Mas renunciei a tempo, não podia deitar tudo a perder e logo agora, que as coisas residiam a caminhar numa orientação favorável. Engoli um trago, devagar, a saborear o Irish Cream, olhei o copo em aprovação, para camuflar o embaraço com que me defrontava.

Houve um momento de silêncio constrangedor, de nervosismo quase inquietante, por falta de assunto, talvez, não sei. Apeteceu-me convidar-te a dançar, sentir o teu corpo sinuoso colado ao meu, mas temi ser inconveniente e estacionei calado. Levantaste-te para avivar o lume. Libertas-te uma fragrância a flores adocicadas de gardénias e jasmim, escoltado de um bálsamo melífluo de vanilla que me toldou os sentidos.

Um calor abrasador tomou conta de mim, um desejo quase incontido invadiu todo o meu ser, que me tolheu os movimentos, desligou meus pensamentos. Sentia o corpo dormente, mas, um impulso permanente.

Tornaste ao sofá, chegaste-te mais próximo, colada a mim. Senti um arrepio, uma vibração, uma apetência de ti, uma seiva febril, uma vontade sem fim. De gestos indomáveis, enleei-te, inflexível, beijei-te, lascivo. Não resististe, respiravas descompassada, irregular, respondias às caricias de forma igual. Devagar, pausadamente libertava-te das vestes, como rosário nos dedos rezando as preces. Olhei o altar, corpo serpenteado, seios redondos, adornados, por mamilos rosados, púbis trigueira. Não aguentei, entrei, pela noite dentro continuei e no calor do teu corpo adormeci…

 

Luís Paulo

 

 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Muro de silêncio


O local achava-se ajardinado de silêncios, silêncio esse, amputado apenas pelo chilrear dos pássaros, onde a aragem clara, límpida de paz, algemava o ambiente.

Os lírios, convencidos, de laranja vestidos, regozijavam-se com o perfume das begónias e crisântemos

O sol brilhava no pináculo das árvores, coava pelos ramos dos plátanos, fazendo desenhos vivos… abstratos

O tempo ali acontecia devagar, passeava em passo lento, sem pressa, indiferente à época desinquieta, sem a ansiedade dos climas inconstantes, das ideias insalubres de homens errantes.

Indiferentes á vagarosidade consentida, da vida do homem pobre, triste e desavinda, no palácio de são bento, os cães, de barriga cheia, versejavam em latidos, incólumes á dor, ao sofrer das pessoas que insidiam.

Com uivos rançosos, bolsos a abarrotar, votam as leis, é preciso muito ladrar, as leis não os podem prejudicar, têm de ter uma alínea para os livrar

Então, os cães saem, sem açaime, roucos, não dos remorsos, transpiram os ladridos do acordo… polícias vendidos guardam-nos do povo faminto, não podem fazer mal ao seu Filinto Elísio

Os filhos dos cães têm liceus privados, piscina e equitação

No outro lado do muro, no local dos silêncios, um homem revolve os bolsos não tem dinheiro para os mantimentos… seus filhos não têm pão

 

Luís Paulo

 

 

 

 

 

 

domingo, 11 de novembro de 2012

um dia de outono


Há dias assim,

Amanhecemos tristes, amargurados, sem base aparente, procuramos um motivo, o porquê de tal acordar, qual a razão que originou esta mágoa, esta dor interior, esta tristeza sem fundamento e não encontramos.

Eram onze horas e quarenta e cinco minutos, havia algum tempo que me tinha levantado e estava nestes preparos, triste, desgraçadamente triste, parecia que o mundo ruía sobre mim.

Chovia lá fora. Aliás, foi uma constante durante a noite e continuava, ininterrupta, de facto um dia emblemático de outono. Abri a porta da varanda, fui agradavelmente agraciado por uma aragem fresca, lavada. Um aroma a terra molhada e uma fragrância a eucalipto e pinheiros, trazidos pela brisa suave que acorria, reconfortou-me os pulmões necessitados. A relva estava mais verde, saciada da irrigação constante. As folhas já gastas, sem vida, caiam das árvores, devagar, oscilando para direita e para a esquerda, pairando, até se firmarem no chão, terminando assim o ciclo.

 Era um dia, daqueles dias agradáveis de se ficar em casa a ver chover. Um dia lindo de outono! Sim, o outono também é uma quadra linda. Chovia, mas eu estava em casa, de robe, quentinho, nada me faltava, ou pensava que não, porque aquela tristeza ditava o oposto. A melancolia prescrevia outra razão.

Ouvia Sarah Brightman, “Eden,” que música agradável, suave, olhava para a rua, ali estava outro éden, mas agora literal. Tinha todos os motivos para estar feliz. Pensei inclusive nas pessoas carentes, que nada têm e ainda assim transportam no semblante um sorriso… triste é verdade, mas um sorriso. Então porque estava eu naquela angústia?

Francamente não sabia e para surpresa, experimento involuntariamente nos olhos um ardor lacrimal a sal, lagrimas isoladas que teimam aparecer, não caem, não rolam, ficam ali, teimosas, e que me fazem ver, um mundo alagado de ausência e de dor, que há muito tento esquecer.

A memória leva-me em viagem a acontecimentos longínquos, afastados, quase que esfumados pela distância, mas culpados desta minha estância. Mas a ti, é curioso, a ti vejo-te claramente, tão nítida, como se o tempo não passasse, é como se o sol parasse, tal é a retidão da memória, que me incorpora uma sensação de contínuo vazio, de que algo ficou por dizer, por ditar, daquela que foi a nossa história.   

Já completava tanto tempo que não pensava em ti, segui a vida amanhada para mim, esqueci, e vivi, umas vezes bem, outra talvez, não sei. Mas há dias, como hoje, que dou por mim, assim, numa dicotomia, mente coração. O passado, fortemente entrincheirado, que disputa o presente, que vence, e me deixa destroçado. O coração! quererá ele ver-me derrotado? Ou será isto amor camuflado que mantenho reservado? A mente dita o contrário, quer ver-me animado, mas neste duelo desigual, o coração traiçoeiro deixa-me desolado

Por isso o meu despertar sem jeito…

Sem graça… sem a alegria no caminhar,

É saudade daquele tempo,

É saudade de te amar

Sinto-me o que me resto, do pouco que tenho quero desistir

Sem ti, meu doce ignoto poema… Óh! minha melíflua poesia,

Sem ti, sofro derrotado, a saída é partir 

Áh! Mundo sovina de amor, farto em desafeto, empanturrado de dor

Até quando tenho de esperar este luto passar?

Até quando viver este mundo de horror?

Apenas mais um pouco que o tempo é curador e tudo vai normalizar.

 

Luís Paulo