Bem- Vindo

Bem- Vindo
Queria tanto ser poeta, falar do mundo, do amor... Porque não da dor? Do sofrimento... Da injustiça então... Enfim, falar do meu sentimento

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Um Novo Natal


Havia despertado cedo.

A noite tinha sido inquieta e o sono agitado.

Acordara cansado, possuía o rosto suado, os sulcos violáceos á volta dos olhos acusava a fadiga da noite desassossegada. Levantou-se com dificuldade. Subiu o estore da janela do quarto e olhou o céu. Surpreso, viu que o sol brilhava já o começo do novo dia.  

Intuía que alguma coisa de anormal estava a acontecer, era como se um sexto sentido lhe acenasse algo de invulgar. E este sol, este estio, testemunhava a sua incerteza.

Era Natal, época comummente de frio, em alguns lugares inclusive a neve dava um perfume especial á quadra, mas, invulgarmente ao habitual estava uma manhã de estival.

Intrigado e curioso, arranjou-se e saiu á rua. O sol ainda jovem acariciou-lhe o rosto barbeado, o que lhe despertou maior apreensão. Estranhou também a ausência da neblina causada pelas chaminés e da essência frequente das lareiras.

Iniciou a caminhar pelo passeio a descer a rua. Preocupado, olhava furtivo ao seu redor. Todo o seu rosto era incredulidade. Tudo era silêncio. Não acontecia aquele burburinho das filas para as compras, para os presentes, para o bacalhau, para o marisco e para os doces. Ao contrário do que era prática, nas caixas ATM não faltava dinheiro.

As pessoas passavam e desejavam bom Natal… boas festas. Mas não era aquele retinir de bom Natal hipócrita usual, em que o hálito de amor passava e o resto do ano esgrimiam conveniências, lucros e ganhos desonestos. Não era aquele desejar falso de Natal, em que as guerras de interesses se entrincheiravam, em que as quezílias retornavam, assim que a quadra passasse. Depois, seguidamente chegava dezembro, o mês do armistício, a hipocrisia regressava e o amor espalhava-se. Não! Não era esse desejar de Natal! Era um Desejar de Natal franco, sincero e cheio de amor.

Caminhava pelas ruas e o desconforto inicial principiou a falecer. As pessoas falavam-lhe de uma forma franca, leal, de uma forma afetuosa, com sentimento puro na voz. O dia pareceu-lhe mais limpo, o sol pareceu-lhe brilhar com um brilho diferente, começou a sentir-se bem, sorriu, pareceu-lhe que respirava autêntica paz.

Foi com gáudio que contemplou que o Pai-Natal não vinha gordo, empanturrado de bacalhau, de marisco e de doces. Não aparecia carregado, com dificuldade em andar para entregar os presentes aos meninos ricos, presentes caros, esquecendo-se das crianças pobres, desfavorecidas, que passavam frio, que passavam fome e que nada tinham. Crianças que não imploravam consolas ou computadores, não rogavam telemóveis ou bicicletas, bradavam apenas em silêncio um casaquinho, um cobertor, meias, sapatinhos e uma sopinha para aquecer a alma.

O que viu foi um Pai- Natal isento, um Pai- Natal que não diferenciava os ricos dos pobres, um Pai-Natal que em lugar do saco dos presentes, trazia o coração cheio de amor, e oferecia esse amor com a mesma simetria para com todos.

As pessoas acercavam-se dele e mostravam-lhe um mundo novo. Um mundo onde a ganância, o odio, as aversões, as antipatias, as lutas e as guerras de interesses haviam sido descontinuados. Um mundo em que todos juntos haviam extinguindo a pobreza, a fome, a violência. Um mundo em que a lei era o amor. Um mundo em que as coisas anteriores haviam passado.

O coração encheu-se-lhe de gratidão e alegria. Sorrindo, com as mãos nos bolsos, seguiu a assobiar uma canção de Natal.

 

Luís Paulo

 

 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Saudades

Hoje, vou descansar as saudades fora de mim...
Não quero pensar em nada.

Luís Paulo

sábado, 2 de novembro de 2013

A voz do Silêncio


É neste silêncio que ouço a tua voz,

Sussurro cálido que chega do frio escuro do meu quarto e invade a minha alma. Palavras simuladas, deléveis, de promessas que segredavas que ficaram por realizar.

São quatro da manhã e não me deixas dormir. Do relógio, ouço os passos quietos do amanhecer, suaves, como cristais, que brilham a memória do tempo: Memórias diluídas em meras lembranças, mas que a tua voz remexe e não me deixa esquecer.

É assim desde á muito,

A tua voz vem continuamente no silêncio da noite. Avizinha-se devagar de início… muito devagar… melíflua, com timbre agradável e harmoniosa antes de conquistar a minha mente numa gritaria guerreira. A tua voz vasculha os meus pensamentos, e num diálogo mental, atiras a desordem, o caos e a guerra é estabelecida na minha alma. A minha noite calma é interrompida e o meu sossego vandalizado. A tua voz é como um nó górdio que me fere e me rouba a paz. No meu leito inquieto, sinto o sabor a sangue de dor do meu coração, e o meu corpo deitado é terra queimada.

Ainda ontem o silêncio teve este simpósio comigo. Nesta dicotomia… nesta guerra do pensamento, peço-te sempre que me exorcizes de ti.

Venho a repetir-me.

Gostava tanto de olhar o teu rosto, olhar os teus olhos e dizer as coisas que ficaram por dizer…

Se um dia voltares, trás contigo a justiça, ou então, vem calada com o silêncio dos íntegros.

Porque eu de ti quero apenas o que me roubaste: os meus sonhos, a minha alegria, a minha paz.

Pensas devolver-me as noites que não dormi? A verdade? Pensas devolver-me a verdade? Não! Eu sei que não! Não existe em ti verdade. Nunca foste amiga, foste apenas alguém com curiosidade, querias saber como amanhecia, como eram os meus dias na minha intimidade.

Tenho esta luta comigo, e a merda das lágrimas não param de cair. Sim choro! Choro, mas não sei que choro é este, não sei que indefinição é a minha alma. Não sei se é um choro de algum resto de amor que guardo por ti, se é um choro de raiva, ou se choro apenas com pena de ti. Mas choro publicamente, porque tu um dia foste as margens do meu rio.

 

Luís Paulo

 

domingo, 20 de outubro de 2013

Éden

O teu olhar,
reflete o jardim do éden
Importas dos montes um aroma selvagem
Teu corpo nu, sinuoso,
implode de desejo,
cegas de paxão!
Teu lábios são pétalas de amendoeira em flor,
que me roçam em blandícias ardentes
És a estro da noite,
sereia do meu mar
és flagilidade dum poema
és estória por inventar
A lua
olha-nos,
cobiça-nos,
Nadamos nus na enseada,
amo-te na noite

Luís Paulo

Pintura de Richard Johnson

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O Indispensavél á vida


Existe em mim apenas o indispensável á vida,

Tudo o resto é um vazio, um desapego material, uma dormência de interesses

 

Luís Paulo

Tranquilidade


Hoje sinto-me tranquilo,

O sangue circula-me suave e sereno, como um rio manso, que corre para o mar autunal

 

Luís Paulo

 

Depois Daquele Dia


Depois daquele dia, não tenho sido mais eu!

Minha vida tem sido uma vida sem vida. Vida apática, cansada, como se caminhasse de um lugar para outro e não chegasse a sítio nenhum. A minha vida, depois daquele dia, é uma vida que se tem ajeitado apenas a existir. Está vazia, como se fosse só no mundo, órfã, sem ter ninguém á sua espera.

Quando pego naquilo que sou eu, e sigo a caminhar pelas ruas de sempre, caminhos de outrora, caminhos que sempre andei, que elegi desde á muito, ouço… parece que um burburinho… noto como que, uns olhares… olhares simulados, cúmplices, como se, se voltassem e olhassem para mim. Como se me apontassem o dedo, e fico com a vaga impressão que se riem de mim, que me gozam pelas costas, num gozo gratuito, voluntário.

Odeiam a audácia de não me deixar instrumentalizar. Estranham o meu silêncio, o cuidar apenas da minha própria vida. Intrigados, de sorriso viciado, falam de mim como se fosse de outro lugar, de outro planeta.

Ainda hoje sinto feridas na alma, carrego-as como herança pesada desde aquele dia. Agora sigo com os olhos no chão, envergonhado, de viver num mundo de humanos desumanos, e arrasto a vida á espera dum novo dia

 

Luís Paulo

 

 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

terça-feira, 18 de junho de 2013

O teu amor


Olhas-me com olhos de ternura,

e roças-me de gestos sensuais,

Teus lábios têm um gosto felino,

Desmaio a vida nos teus braços, e sonho-te medusa do meu mar,

anémona do meu jardim,

Trazes pendurado o carinho, o amor que reside em mim,

De passos vagos perfumas o ar a silvestre e jasmim

Todo o teu rosto é sorriso

e nesse sorriso tenho também o teu amor,

O quanto me baste

O quanto me é preciso

 

Luís Paulo

 

Pintura de Rob Hefferan

 

A verdade


Não há nada que me atraia mais do que a verdade

 

Luís Paulo

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Quero-te


Estou aqui sentado,

Ouço o crepitar da lareira e penso em ti,

naquelas chamas vejo os olhos que te procuro

ainda ardes em mim

Como pintar em palavras esta chama?

Agitas-me a recordação,

procuro a razão, o porquê…

Porque me ardes, se foi tão efémero o momento?

Quero ter-te outra vez

tenho a certeza,

longe de ti, a minha vida é um tormento

 

Luís Paulo
 
Painting by Vincent Giarrano


 

 

 

domingo, 5 de maio de 2013

Primavera


A primavera é um estado simpático do ano, é uma boa disposição, um sorriso colorido do tempo. O seu hálito exala uma fragrância a flores, que nos contagia na sua alegria.

 

Luís Paulo

Dance


… E para quem não tem ninguém com quem dançar,

Que tal dançar com a vida?

Afinal, a vida também é nossa…

 

Luís Paulo

quarta-feira, 20 de março de 2013

Onde estás?


Sem ti, sinto a vida vazia,

A alegria inerente nela, esvaeceu,

O sol que a guiava, apagou-se!

Noutro tempo,

nem mesmo o dia de maior tempestade, me roubava a alegria,

a luz,

Porque sabia-te ali.

Onde estás?

Percorro dia e noite as pedras da calçada,

Conheço as ruas de cor, os prédios por nome,

Vejo toda a gente, menos a ti…

Onde estás?

Preciso olhar-te, tenho medo de te esquecer

 

Luís Paulo
 
Tela de: Christopher Walker

 

 

 

domingo, 17 de março de 2013

O teu rosto


Foi tudo tão rápido, tão veloz…

Imaginava que o tempo não passava, que era intemporal, que parava na passagem dos dias, que havia tempo para tudo…

Como estava errado. Era jovem, irreverente… para mim, o tempo corria tão devagar, que não se me afigurava, que o tempo era unidirecional, assim como o trânsito numa rua de um só sentido. O tempo corre, inexoravelmente para a frente, sempre para a frente… o tempo, não tem marcha atrás.

Nesciamente, pensava ter todo o tempo do mundo … não tive!

Quando penso no que poderia ter dito… no que poderia ter feito… e não fiz…

Como lamento!

Se pudesse parar o Sol, regredir os dias, voltar aos dias de infância, inverter o tempo e ter-te aqui… ah! Se pudesse… começava tudo de novo.

Não seria tão ausente, ficaria mais junto a ti. Não seria tão economizador das palavras, dir-te-ia o quanto te amava, o quanto te amo. Não te mentiria como menti, falaria a verdade… articularia palavras sãs, afetuosas, reconciliadoras, e principalmente pedir-te-ia desculpa… pedir-te-ia perdão pelo que te fiz sofrer, pelas discussões, pelo deixar-te a falar sozinha, pelo bater da porta…

Sei que não estou isento, carrego a mágoa… conduzo no peito a dor do arrependimento, porque sinto-me impotente e não consigo trazer-te a mim… esta incapacidade, esta inépcia de retornar o tempo… castiga-me… esmurra-me de tal forma, que é o meu tormento.

Sinto tantas saudades tuas… do teu rosto… tenho dias, como hoje, que traço o teu rosto numa audaz fantasia… concebo teu rosto na memória, como a grávida o embrião e sinto crescer a nostalgia. O tempo, esse verdugo, secou-me as lágrimas, agora, choro as feridas de olhos secos, vazios, sem o sal curador, que acalma e alivia a dor. Nestes dias, sinto-te o perfume das serras, das margaridas selvagens, das searas por debulhar… ouço a tua voz, falo contigo em pensamento e digo as coisas que ficaram por falar

 

Luís Paulo
 
Tela de: Angelica Privalihin
 

quinta-feira, 14 de março de 2013

Aquela Primavera


Diz-me,

Fala-me daquele tempo, daquela primavera…

Lembras?

A tua voz é a melodia suave que anseio,

É vida, que aviva a minha vida, que enleio,

Sabes?

Inventei-te em mim,

 minha audaz fantasia…

Á noite, ao deitar, pouso a pensar,

a imaginar… como seria,

amar-te até ser dia…

Depois,

Vejo-te poema, sangue

corres-me nas veias,

bombeias-me o coração de palavras doces, tenras, de amor

versejas em odes as tuas rimas, num clamor

mitigas a dor, as mágoas do mundo lá fora, do horror…

 dos meninos de vida sem cor

Anjo, guerreira de Deus

émulo do diabo

ambicionas varrer o passado, apagar o pecado,

seguidamente,

És mulher,

A paz,

O meu sossego.

Falas por fim, daquela primavera…

Sacias-me a saudade,

A espera

Adormeço nesta quimera

 

Luís Paulo

 
Tela de: Michael Inessa Garmash

segunda-feira, 4 de março de 2013

A tua voz


Eram três horas da manhã e o sono não me acudia. Sentia-me esgotado, tinha o corpo dorido, com mágoa… levantei-me a respirar a rua. A noite estava sem luar, mas habitava tranquila, parecia dormir às escuras.

O ar fresco levou-me a ti. A tua imagem carregou com ela as saudades reclusas em mim, saudades da tua voz, daquele aveludar de palavras que me falavas e me suavizava os dias menos bons

Enlaçavas-me no teu sorriso tímido, ouvia as tuas frases, doces, harmoniosas, qual soprano de acordes divinos, deia das áreas de Beethoven e sentia o sossego tomar conta de mim

Não me larga a mente aquele dia, é como um quadro suspenso na parede do meu quarto. Assim como tu, o dia brilhava, quente, exposto ao sol… passeávamos de mão dada á beira da praia, os teus olhos eram a extensão do mar. Sorrias… aquele sorriso tão só teu, sorriso traquina, que desenhava covinhas no teu rosto. Ah! Como ficavas linda nesses momentos… contagiavas tudo com a tua alegria.

Subimos ao rochedo… chegámos sorrindo… cansados. Ali em cima, a paisagem era singular, o oceano vestido de azul, parecia estar pendurado no penhasco. Torneámos a enorme montanha, por baixo de arbustos centenários e no limite do rochedo, fizeste-o de proa… abriste os braços e plagiaste Kate Winslet e cantaste a canção “My heart will go on”, … apertava-te contra mim num abraço forte, viraste-te… beijámo-nos apenas com o céu como testemunha, e amámo-nos debaixo do sol.

Quando penso nesse dia… da tua voz, das palavras macias que me dizias, as noites não me deixam dormir, gritam o teu nome, e eu fico velando as horas vazias. Inclina teu ouvido e ouve o murmúrio do vento, ouve as palavras do meu coração, e por telepatia, ouço sempre: ”descansa meu amor”, e adormeço.

 

Luís Paulo

Tela de: Iván Slavinsky

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Rotina


Todos os dias me eram iguais, as mesmas ruas, os mesmos cheiros, as mesmas pessoas, nas mesmas paragens, nas mesmas estações, a correria de sempre para o metro, para o autocarro, para o elétrico, uma rotina inseparável da minha rotina…

Um dia, peguei num bloco, numa caneta, como o fotógrafo a objetiva e saí á rua… comecei a olhar o mundo com outros olhos…

Nunca mais os dias foram os mesmos.

 

Luís Paulo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A nume do Luar


A noite tocava a hora do pousio.

As searas dormiam… enroscadas… ora viravam para a direita, ora para esquerda, conforme a brisa lhes dizia.

Os ulmeiros, lá no alto, pareciam dançar ao som do coaxar das rãs, que numa fraga, pareciam namorar ao luar, num riacho que passava ali perto…

Percorri-te a distância de um olhar… as searas, continuavam para lá de ti, pareciam sorrir na maciez do toque, no manso e delicado roçar de corpos, no enlace apaixonado em que se aqueciam… ou talvez, apenas sorrissem o descanso, da espera de um novo dia.

O luar, profanamente ténue, apático, avivava indiferente a capa insípida do teu olhar. Elegias as sombras, olhavas furtiva… àqueles… cujos olhos te fitavam ébrios de desejo, teatralizavas mais os gestos, provocavas mais o andamento do passo, adocicavas as formas, os sinais, e mostravas a nume que existia em ti. O luar ganhava vida, e até mesmo o poente, parecia virar-se no inverso para te observar.

Querias ser as tardes de domingo, o destino do périplo dos sem destino, ocupar o pensamento vazio, querias viver, amar, adormecer, acordar, no empíreo, no profano, querias ser Deus, o diabo, a bênção, o pecado. Querias morrer, ressuscitar, querias ser todos, a todos te dar, querias ser os rios e no mar desaguar, querias repartir, ser mil, em todo o lado querias estar…

E saías vagueando, pelas sombras do luar…

 

Luís Paulo

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Era um dia de Carnaval


De algum tempo para cá, tenho por hábito acordar cedo, dizem que é da idade, não sei, mas hoje, não sei bem porquê, esqueci-me desse detalhe, e ainda estava deitado… adormecido.

Estava a dormir tão bem, tão plácido, tão quentinho… quando vagamente principio a ouvir um ruído impreciso… afastado… distante… muito distante de início, e, lentamente, muito lentamente, começa a acercar-se, até que ficou nítido, estático, na porta do meu quarto.

Uma espécie de esgravatar… um latido quase de angústia, que ia aumentado de tom, até que o mundo do torpor, letargia, em que estava adormecido, me soltou e despertei inteiramente. Era a minha lady a chamar-me… um apelo aflito, não sei se preocupada por estar com a porta fechada, se impaciente para ir á rua, ou falta de atenção.

Mas, não era um chamar, assim, tímido, dócil como costume, era um chamar de protesto, de reclamação, de quem já chamava á muito tempo e não era simetrizada.

Olho o relógio na mesa-de-cabeceira, e vejo nove horas e cinquenta minutos. “Puxa lady, não podias aguardar mais um pouco?!” -- Atirei num retórico sonolento, coloquei a mão fora dos lençóis polares, senti um arrepio a percorrer-me todo o corpo, que instintivamente a devolvi ao lugar e deixei-me ficar por mais meia hora, provando o encantador ócio, ignorando as exigências dela.

Mas, em face da reclamação dela, que cada vez aumentava mais de tom, e como não se nega um pedido a uma senhora, levantei-me… contrariado, mas levantei-me… experimentei tanto frio que soltei um impropério… fiz a higiene pessoal todo encolhido e vesti-me. Com fome e ensonado saí á rua com ela.

Era terça-feira de carnaval, doze de fevereiro, de dois mil e treze. Chovia… uns chuviscos muito miudinhos que mais parecia neve devido ao frio. No ar, raiava aquele cheirinho agradável de lenha que ardia nas lareiras.

Agasalhei a sobrecasaca forrada a lã, e caminhei com a minha lady a abanar a cauda, indiferente á chuva e ao frio. Àquela hora, onze horas e quinze minutos, depois de uma noite de folia, a rua ainda estava deserta.

Seguia eu, no jardim Cesário Verde, quando algo me chamou a atenção. Um carrinho, aqueles carrinhos de compras de uma grande superfície, achava-se junto a uns contentores do lixo que existia próximo á berma da estrada. O carrinho suportava vários sacos, a dividir talvez o conteúdo, que não se adivinhava o que era. Vou, olho, e vejo uma mulher com a cabeça introduzida num contentor, um contentor daqueles da reciclagem, com os dois braços também metidos lá dentro, e revolvia… revolvia, selecionava e guardava o que achava que devia guardar.

Chamou-me a atenção, pelo simples facto, que era uma quadra festiva para muitos, o mundo divertia-se, mas aquela senhora estava ali, á chuva, apanhar objetos do lixo, sem que a solenidade usasse de magnanimidade para com ela. Não lhe via a fisionomia. Tinha os cabelos louros suavizados, ondulados, apanhados em rabo-de-cavalo, trazia um blusão impermeável, almofadado não sei com quê, azul, e umas calças de ganga, também em azul. Pareceu-me ser uma mulher ainda jovem, pareceu-me pelo facto de parecer que se vestia jovem.

Segui adiante, o meu pensamento entristeceu-se, afinal não é um bom quadro de se ver, ou então, era uma tela em cinzento, que sintetizava uma vida de desalento. Comecei a Sentir-me mal, por ter reclamado da vida ao levantar-me.

Atravessei a rua, e fiquei no cruzamento da rua vinte e cinco de abril, onde findava o jardim. A minha lady brincava na relva. No lado oposto, passava um grupo ébrio de fantasia nos seus trajes carnavalescos, com pegadas visíveis e abundante do álcool que havia corrido nessa noite.

Volvidos uns minutos, ouço o chiar do carrinho de compras. No instante seguinte surgiu a senhora na esquina, empurrava o carrinho pela orla da estrada. Olhou para mim… pareceu-me com mais idade que a que a havia imaginado, mas também poderia ser pelo facto de a vida lhe ser dura, madrasta. Tez morena curtida pelo sol, rugas vincadas ao redor dos olhos, não se adivinhava a cor dos olhos, eram claros, macios, mas de olhar duro. A representação do seu rosto era difícil de explicar… trazia doçura e severidade, mansidão e aspereza, parecia esclarecer uma certa vergonha, mas uma vergonha nobre, que olha nos olhos, sem medo seja de quem for, porque já lutou muito e com a resolução, a prontidão de nunca desistir.

E lá seguiu ela, pela avenida de dois nomes… para mim, a avenida vinte e cinco de abril, para ela, a avenida da amargura.

Impelia o carrinho, o carrinho chiava… parecia chorar por ela.

Luís Paulo

 

 

 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A dádiva de um sorriso


Sempre que alguém sorri para um humilde, um pobre, despido de sustento, alimenta um coração…

 

Luís Paulo


Imagem web

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Percorro teu corpo



 
… E timidamente percorro teu corpo… tateio, como o invisual o braile, e sinto a suavidade do cetim, a delicadeza da seda… o aveludado da tua pele chama… adoça… invoca o amor. O teu olhar cinzento, vazio… habita no silêncio do teu mundo, despido de palavras, e encontro á espera o desejo incontido em ti. Desperto-te, e, de passo lento, demorado, sensível, prenhe de desejo, descobres um mundo de cor, de sabor… libertas-te da prisão das eras, lanças para longe os espectros das quimeras e vagueias nas emoções, nas sensações etéreas.

 Até mesmo o Sol nasce com desejo, é-lhe inerente o amor… no zénite, aflora o calor, expele nos raios o orgasmo sem pudor… tremulo, suado, na terra expulsa o torpor, e deita-se ao crepúsculo, cansado, num canicular rubor

Ali a primavera acontece, o princípio indelével que eclode na vida… o descerrar, o soltar as pétalas, a metamorfose das flores, o esquecimento de todas as dores e o mundo segue, efeito transversal… pluvial, o arco-íris, as cores, as estações…

… E timidamente percorro teu corpo…

 

Luís Paulo

 

  Imagens Web

domingo, 3 de fevereiro de 2013

És mulher


Sinto-te a beleza,

Vejo-te sol, e brilhas numa tarde de estio,

És harmoniosa, ufana, resplandecente,

arte equevo, que se não constrói

Linda… tão linda que até dói,

quando se olha atentamente.

 

Quando triste, ou até mesmo quando choras…

és a luz, és a aurora,

és a formosura que devora,

és trigal serpenteante,

és a prímula que aflora.

 

És a formosura dos montes,

o degelo dos himalaias,

águas, que correm lentamente,

como lágrimas… que por ti deslizam,

suavemente

 

És o encanto,

 a magia,

a floresta húmida da amazónia,

exuberante verde-mar,

traços curvos de desenhista,

mundo novo por criar.

A noite cai…

És a noite,

 a lua,

o luar

és mulher

Invento-te para te amar

 

Luís Paulo

 

  Imagens web

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O meu rumo



 

A minha vida tem sido semelhante a um rio… por veze manso, outras, em brandos sobressaltos e amenas agitações, mas, momentos existem que afigura-se tormentas ondulativas, sulcadas por palavras soltas, de pessoas que tentam nortear o meu rumo… por vezes comandar mesmo, como se de um débil se tratasse. Menosprezam a inteligência, a capacidade de ver, de sentir, de vaguear a vida que me pertence e lançam gratuitamente pedras de tropeço, mas, que por revés, as utilizo como alpondras e passo incólume ao lançamento dos tristes obstáculos.

 

Luís Paulo

 
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sábado, 5 de janeiro de 2013

A Promessa


Entardecia,

Olhavas-me de sorriso aberto… exausta, suada, o corpo nu espalhado na cama, de peito ofegante, viraste-te de costas a espreitar a rua. A noite principiava a acontecer… o tempo junto a ti, fugia depressa, falecia veloz… como sempre, tinhas que partir. Eu sabia… todas as tardes era assim, voltavas para casa, para os teus… os teus olhos, agora tristes, pediam um último beijo…

Enleei-te nos meus braços, beijei-te devagar, a saborear-te, a usufruir o momento… os nossos gestos foram ganhando formas, ritmos, e amei-te uma vez mais, quase á pressa, a aproveitar o tempo que restava, como se fosse a ultima vez,

Das nossas gargantas, escapavam gemidos roucos, incongruências lascivas, palavras absurdas, sem nexo. Os corpos em incandescência ingressaram em combustão, e terminámos em espasmos cadenciados, num êxtase profundo. O teu coração batia desordenado, tinhas a respiração arquejante, irregular… agarraste-te a mim a chorar.

Senti que havia chegado o momento… afinal, ambos sabíamos que iria suceder, pertencias a outro, “vou amar-te sempre, juro, mas não posso mais voltar aqui, não me perguntes porquê, agora não, por favor, não me faças perguntas, já me é tão difícil.”

O meu coração quase que parou, tinha passado quase três anos, tantas tardes juntos, tantas… como esta, de amor intenso… havia aprendido a amar-te, dava por mim a esperar aquela hora, a hora que surgias, avistava-te ainda longe… nunca irei esquecer o teu porte, a graciosidade do passo, os teus cabelos ao vento… sabia que iria sentir muito a tua falta, a tua ausência iria magoar, tinha consciência, que na inconsciência dos dias voltava para te esperar, e, saber que não vinhas, que não aparecias, dilacerava, despedaçava o meu coração já ele frágil. Imaginar-te nos braços de outro… embora eu fosse o outro, era atroz, cruel. Não chorei, fiz-me forte, não disse nada, o nó na garganta não autorizava.

Pediste-me que se te visse na rua, acompanhada… para não te falar. “Prometes? Finges que não me conheces? Não tomes a iniciativa, prometes? Se achar ser possível falarei eu, sim?”

Tentavas minimizar a despedida, o adeus… mas ambos sabíamos que o adeus era definitivo… senti que tremia, não queria que me visses chorar, engoli as lagrimas… a chorar por dentro, no meu íntimo, sem forças para falar, acenei a cabeça, prometi em concordar

 

Luís Paulo