A manhã principiava triste, fria,
chuvosa, escura… o termómetro não passaria dos três graus célsius.
O crepúsculo espreitava timidamente
no horizonte. --- Cinzelando… prateando as águas da baia
O homem não ambicionava tugúrio.
--- Tingido da chuva copiosa… enregelado até aos ossos… permanecia ali… parado…
contemplando o vazio.
Tinha um cariz necessitado. --- O sobretudo
sujo… esfarrapado… mostrava alguma negligência… as calças, compridas, deixavam
aparecer uns sapatos censurados pelo uso… na camisa incolor, sobrevinha uma
gravata desmaiada pelo hábito…
Na penumbra. --- Seu rosto curtido
pelo sol apresentava docilidade… os lábios finos, rectilíneos, davam-lhe um
aspecto nobre. --- Os olhos, pretos, inexpressivos, inabaláveis não
contemplavam ponto nenhum… como que olhando para si mesmo…
Como pode o falaz pedir a
inteireza? --- Considerava ele com sofrimento…
Era tão bom que praticasses a
verdade --- Diz delicadamente o enganador! --- Primeiro para contigo próprio,
depois para os outros…
Seu rosto agora era completo de
amargura, de uma total ausência, numa luta desigual entre o bem e o mal. ---
Como é possível tamanha hipocrisia? --- Pensava. --- Pessoas de quem gostamos e
queremos bem, serem assim tão dissimulados?
Então terminantemente considerou.
--- Porquê calar a revolta? --- Perguntava-se. --- Porque não exteriorizar o
que me consome?
Porque não dar voz ao repúdio
inerente em mim?
Será que os medíocres
compreenderão? --- Noto-os demasiado incultos.
Seriam palavras deitadas ao vento…
ou deitar pérolas a porcos…
São miseráveis na forma voluntaria.
--- Humanos imprestáveis… sujos nas suas acções.
Definitivamente, não lhes darei
vitória com minhas palavras.
Ficarão com o silêncio do meu
repúdio.
O homem de aspecto necessitado
pegou no seu alforge, onde carregava seus poucos pertences. --- Com os olhos
fustigados pela dor… decididamente, abandonou o local afogando os pensamentos
nas águas prateadas e, confundindo-se na madrugada, tornou-se invisível á luz
do dia.
Luís Paulo
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