Finalmente chego a casa,
Faminto e cansado.
O trabalho havia sido extenuante nesse dia
Por muito que o corpo pedinchasse, não possuía tempo
para descansar, havia o jantar para fazer, para aprontar.
Pensei numa coisa simples, afinal a fome é o melhor tempero
Bife grelhado soou-me bem e para que não se sentisse
só, fi-lo acompanhar de camarões descascados e cogumelos, num ligeiro molho de
natas.
Descobri no congelador esparregado e decidi por ele,
para uma “higiene alimentar” sentenciei.
Terminado e, de bom aspeto, atirei-me a ele numa
degustação sôfrega.
Terminei o jantar, e, francamente mais agasalhado liguei
a máquina do café. Tirei um café e fui para a sala, agora sim, sentei-me no
sofá a descansar.
Olhei a correspondência. Nada de anormal, faturas para
pagar e publicidade.
Liguei a televisão
“ A casa está tão fria”. Cogitei num arrepio! A
humidade entrava pelas frinchas das portas e janelas, dando um cariz lúgubre, duma
casa mortuária
Liguei o aquecedor a óleo, mas nada me aquecia,
levantei-me, fui buscar a manta azul de riscas brancas, que tanto
gosto nos dias frios. Mas o desconforto persistia.
“ Vou fazer um chá para me aquecer”. Pensei! Dirigi-me
á cozinha, fiz um chá de erva príncipe com um raminho de hortelã. Enquanto o
chá afinava, fechei as persianas da porta da cozinha. De caneca cheia,
aromática e a fumegar, voltei á sala, ao meu sofá que me reclamava. Tomei o chá
em pequenos sorvos, a apreciar o gosto agradável da hortelã. “ Mas que
estranho”. Disse para mim “ que se passa comigo hoje? Que frio é este que se me
entranha nos ossos e não me deixa aquecer? Estarei doente”? A casa costumava
ser um refúgio tão agradável, o meu lugar de paz, a proteção das agitações da
natureza e humanas, mas hoje o frio persistia, permanecia.
Lancei a mão ao comando da televisão, na tentativa de
desviar o sentido do frio e fiz zapping sem muito interesse nos programas,
achava-os tão deprimentes. “ Ou serei eu que estou deprimido”? – Considerei! Não
sabia, mas os programas só me aborreciam.
O dia prometia morrer atípico, existia algo que me
incomodava, não me sentia bem no meu local elegido e resolvi o que seria
impensável.
Ergui-me, vesti um casaco e saí. Procurei na rua o
calor afastado e ausente na casa.
A noite havia caído e estava escura.
Aconcheguei o casaco, coloquei as mãos nos bolsos e
principiei a caminhar pela rua da Liberdade. Deixei escorregar um sorriso. “ Que
ironia, rua da Liberdade, mas sinto-me prisioneiro do frio”. Na luz ténue que
os parcos candeeiros imitiam, via-se uma fina névoa de humidade que se fazia
sentir. Um pouco mais adiante, uma luz mais calorosa, convidativa, do café da
Dona Francisca rompia a noite, iluminando com mais entusiasmo toda aquela parte
da artéria. O café estava habitado apenas por dois clientes. “ Onde estarão as
pessoas”? Examinei! Encolhi os ombros e segui em frente sem parar, afinal
também não me apetecia falar com ninguém.
Mais á frente encontrei o jardim Cesário Verde,
que abrangia todo o quarteirão na transversal e que me levava de volta a casa. Resolvi
por ele, para arejar os pulmões. A relva estava orvalhada do rocio que caía, o que oferecia um aroma agradável da terra molhada…
“Boa noite”! Cumprimentaste. Mas ia absorvido,
extasiado, pelo que considerava ser um outro mundo, um mundo aparte, afastado do
betão, da carroçaria, dos carros e sua poluição, não ouvi e continuei. Senti-me
a sentir-me bem, pela primeira vez desde que chegara a casa. Esbocei um leve
sorriso, “ que aroma agradável”. Dizia em solilóquio! “Aqui rompe sempre uma fragrância
adorável, uma mistura a terra e flores”…
Mas tu
insististe Interrompendo o meu monólogo “Boa noite, já não se fala às pessoas”?
Mesmo á meia-luz, vi-te luminosa… gabardina cor
creme, toda abotoada, lenço azul ao pescoço e umas botas quase até aos joelhos,
seguravas o teu Boris pela trela. “ Não me está a conhecer”? Perguntaste dando
uns passos acercando-te um pouco mais.
Claro que te conhecia, eras a Sandra, do prédio em
frente, tantas vezes te vi passar na rua, entrar e sair de casa. No café da
Dona Francisca, a tomar um café, o pequeno-almoço ou lanche. Cabelos pretos,
brilhantes, longos, ligeiramente ondulados, olhos rasgados de mel, nariz levemente
arrebitado, boca sensual, lábios carnudos, um queixo bem decidido numa pele
luzidia, morena, tão apetecível. Claro que te conhecia! Tantas vezes possuí desejos
de ti. As ficções que havia tido contigo, no sofá na sala, á noite ao deitar.
Como havia imaginado esse teu corpo curvilíneo, escultural na minha cama. Mas as
nossas conversas nunca tinham passado de bom dia, boa tarde ou boa noite. E
agora, finalmente, havias quebrado o silêncio, aproximaste-te de voz macia, num
cumprimento á muito apetecido.
Ficámos um pouco a conversar. Falei-te do frio que
sentia em casa. Achaste graça quando disse que tinha vindo amornar na rua
gélida. “ Está muito poético.” Disseste sorrindo e adicionaste. “ A solidão é
fria”. A noite álgida esfumou-se, evaporou-se, fiquei sem frio, a tua voz era
quente, apaixonada e apaixonante.
Mas tu, tu lembraste-te que o frio piorava e
timidamente convidaste-me para ir a tua casa tomar algo quente. “ Não leva a
mal pois não”? Perguntaste ruborizada, estavas indecisa pela hora, eram vinte e
duas horas e trinta minutos. Sorri do teu embaraço, mas uma felicidade enorme,
sem limite da tua iniciativa.
O hall de entrada do prédio era amplo, tecto falso em
madeira, com projetores embutidos. Á direita um vaso de porcelana fina,
suportava uma palmeira fresca, exuberante que chegava quase ao tecto. O
elevador levou-nos ao segundo andar. Entramos em casa. Na entrada, logo em
frente, existia uma consola wengué, com uma escultura em mármore de sessenta
centímetros. Réplica da “Banhista” de Etienne-Maurice Falconet. Uma tela
abstrata em motivo preto e vermelho combinava na parede por cima da consola.
Indicaste uma porta á esquerda que dava para a sala.
A sala estava quente e ouvia-se o crepitar do lume que ardia brandamente na
lareira. “ Sente-se”, convidaste. Despiste a gabardina. Uns seios redondos,
eretos, pareciam querer romper a camisola de lã branca. Perguntaste o que
desejava tomar. Optei por um Baileys sem gelo, acompanhaste com o mesmo. Foste
ao home cinema e colocaste um CD de Adele. Sentaste-te no sofá no instante em
que a sala era conquistada por uma música suave, agradável. "Someone like you". A
saia subiu bondosamente acima dos joelhos, revelando umas pernas torneadas, tez
hidratada, luminosa.
Lembro-me de sentir um baque, um rubor subiu-me às faces
com a aparição das tuas pernas esguias, elegantes, aprimoradas. A boca secou-se-me.
Senti desejo de pousar a mão no teu joelho de pele suave, subir nas pernas esbeltas,
aprumadas, num afago contido, numa carícia delicada. Mas renunciei a tempo, não
podia deitar tudo a perder e logo agora, que as coisas residiam a caminhar numa
orientação favorável. Engoli um trago, devagar, a saborear o Irish Cream, olhei
o copo em aprovação, para camuflar o embaraço com que me defrontava.
Houve um momento de silêncio constrangedor, de nervosismo
quase inquietante, por falta de assunto, talvez, não sei. Apeteceu-me
convidar-te a dançar, sentir o teu corpo sinuoso colado ao meu, mas temi ser inconveniente
e estacionei calado. Levantaste-te para avivar o lume. Libertas-te uma
fragrância a flores adocicadas de gardénias e jasmim, escoltado de um bálsamo
melífluo de vanilla que me toldou os sentidos.
Um calor abrasador tomou conta de mim, um desejo quase
incontido invadiu todo o meu ser, que me tolheu os movimentos, desligou meus pensamentos.
Sentia o corpo dormente, mas, um impulso permanente.
Tornaste ao sofá, chegaste-te mais próximo, colada a mim.
Senti um arrepio, uma vibração, uma apetência de ti, uma seiva febril, uma vontade
sem fim. De gestos indomáveis, enleei-te, inflexível, beijei-te, lascivo. Não resististe,
respiravas descompassada, irregular, respondias às caricias de forma igual. Devagar,
pausadamente libertava-te das vestes, como rosário nos dedos rezando as preces.
Olhei o altar, corpo serpenteado, seios redondos, adornados, por mamilos rosados,
púbis trigueira. Não aguentei, entrei, pela noite dentro continuei e no calor do
teu corpo adormeci…
Luís Paulo
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